Páginas

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Colo

" Amor de mãe é cheiro que nos acompanha por toda a vida"

Minha mãe não está mais entre nós há dois anos. E, diferente do que sempre imaginei, eu não sofri tanto a falta dela. Primeiro porque a minha fé é de que a vida continua, sempre. Também porque ela estava sofrendo, e morrer era o caminho de maior tranquilidade para ela. Mas, principalmente, porque ela está presente em quase tudo o que faço. Muitas vezes tenho ações que a D. Maria teria. E isso me faz parte dela. Ela continua viva em mim, e também em todos os seus filhos, na braveza de um, no olhar do outro, na firmeza de caráter, enfim, ela se espalhou em nós.
Mas é na cozinha que me sinto mais perto dela. É como se estivesse de novo com a cabeça deitada no seu colo.
Sempre cozinhei com muito alho. O cheiro do alho é calmante para a minha alma. Mas não me serve o alho industrializado, gosto do alho fresco, que eu mesma descasco, e depois trituro em um pequeno pilão que ganhei de presente da minha mãe. Engraçado é que só recentemente me dei conta do porquê do meu gosto "exagerado" por alho. O cheiro do alho me lembra minha mãe. Aquele colo tinha cheiro de alho... Ela era vaidosa, nunca saia sem um banho, seguido por perfume ou hidratante. Mas é incrível, não me recordo desse cheiro. Me recordo bem é do cheiro da cozinha, do cheiro da comida, e esse cheiro ficava impregnado nela.
Talvez porque minha mãe foi criada de uma forma onde não se expressava carinho. Ela tinha um semblante sério, bravo, que em um primeiro momento assustava as pessoas. Mas ela era essencialmente doce, afetuosa. E a forma mais fácil, para ela, de fazer carinho era pela comida. Ela procurava agradar às pessoas que amava. Se sabia que "fulano" gostava de tal coisa, quando essa pessoa estava na sua casa, ela fazia aquilo. Sem alardes, sem frescuras, sem "médias". Fazia e servia. Mas hoje eu sei que era essa forma que ela tinha de ser carinhosa. Era doce de figo para um, de abóbora para outro, queijo fresco para a filha, café e biscoito, batata com queijo...E a lista é grande.
Eu como sempre fui "sem-vergonha" fazia minha lista personalizada. E ela atendia aos meus desejos com uma alegria única.
Tem uma coisa que me deixa super feliz, é que um pouco antes dela partir, eu realizei um desejo dela. Fiz uma moqueca para ela. E a vi comer com um prazer também único. Foi lindo!
Às vezes vou para cozinha e tento fazer alguma coisa do jeito que ela fazia. Meu marido brinca que faço "cozinhagrafia", porque mesmo sem receita faço algo e fica certinho, com sabor de D. Maria. Mas tem algumas coisas que desejo, mas sem a receita não sai. E minha mãe fazia tudo sem receita. Muitas vezes pedia para ela: Mãe me ensina fazer tal coisa? E ela: " mas é tão fácil. Põe um pouco disso, um pratinho daquilo..." Um pouco quanto? E essa história de pratinho? " Ah...Não sei! Faço no olho."
E eu nunca me atentei a idéia de ficar junto medindo, mas, provavelmente, ela não teria paciência para isso.
Um dia pedi que ela fizesse um caderno de receitas para mim. Ela me enrolou um pouco, porque disse que gostava mesmo era de fazer e não de escrever, e que não tinha as medidas... Mas depois de algum tempo me entregou um pequeno caderno, com algumas poucas receitas. Esse caderno é um tesouro para mim, lá tem o carinho, a letra dela e me faz estar mais perto dela quando faço alguma receita de lá.
Hoje tive um tempo livre, veio uma vontade enorme de ligar, e ouvir a voz da minha mãezinha. Mas como isso não foi possível, peguei o caderno e fiz uma das receitas, a que mais me faz lembrar dela: "Bolo superior". Bolo com gosto de amor.
E assim, mais uma vez, me conectei com D. Maria.

7 comentários:

  1. Minha lista de agrados eram o doce de abóbora e o quiabo para acompanhar o frango caipira.
    E o acolhimento como um filho.
    Grande D. Maria!

    ResponderExcluir
  2. Você me fez chorar ao ler suas palavras, me fez lembrar do meu pai, que também já está em outro plano, que cozinhava como ninguém e que sua demonstração de afeto era mto parecida com a da sua mãezinha. Me deu uma saudade imensa, vou pedir para sonhar com ele, toda vez que sonho parece que realmente estive com ele. Bjs

    ResponderExcluir
  3. E eu me sinto tao abencoada por ser uma dessas pessoas que ela gostava de agradar. O macarrao, a batata com cebola e alho... e sem duvida era minha puxa saco, seu edredon na cs dela, era meu rs #saudades da minha eterna Amapola

    Emilia

    ResponderExcluir
  4. Meu amor, minha mãe te adorava, como todos...
    Néia, com certeza quando sonha com seu pai, de alguma forma, há um encontro entre vocês. Obrigada pelo carinho.
    Mi,você era umas pessoas que fazia minha mãe gargalhar, ela te amou muito. Por isso tirava meu edredom para te dar, porque sabia que eu também te amo.

    ResponderExcluir
  5. Doce de Abóbora e de batata, biscoito de polvilho, rosquinha de nata, etc,etc,etc.
    Final de ano era uma festa, todo mundo junto na casa dela. Nossa!!! muita saudade disso.
    Ótimo texto tia..Pequenos detalhes que nos fazem lembrar dessa maravilhosa pessoa.

    Talles

    ResponderExcluir
  6. Silvia,

    não conheci a sua mãe, mas através desse b-e-l-í-s-s-i-m-o texto, você a construiu em mim, com cheiro e todo o mais, encerrando num precioso caderno de receitas com mão própria. As frases me emocionaram e o choro ficou aqui, no meu caderno interno. Doces palavras...,essas, sobre a sua mãe. E a imagem?!, simplesmente a leveza escancarada de Klimt.

    Brava Silvia, bravíssima!!!

    Kaity.

    ResponderExcluir
  7. Kaity, que saudade da sua doçura, mesmo que em forma de palavras...Obrigada pela presença.

    ResponderExcluir

Obrigada por fazer parte deste meu mundo particular!